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Mercado de antidepressivos cresce acima da média na pandemia



6/4/2022 – Quando alguém se automedica, ela dispensa a necessidade de evidências científicas, o que representa uma perigosa maneira de se ignorar a própria ciênciaVenda dos medicamentos expandiu 13% em relação a 2020; especialista explica por que pacientes devem contar com o acompanhamento de profissionais e evitar a automedicação

A indústria de medicamentos genéricos cresceu em torno de 6% em volume no último ano, com mais de 1,8 bilhão de unidades vendidas no Brasil. De acordo com o relatório da PróGenércicos (associação das indústrias de medicamentos genéricos e biossimilares), com base em dados do IQVIA, consultoria que monitora o varejo farmacêutico no país, o mercado de antidepressivos responde por uma parte importante para alta, com um avanço de 13% na comparação com 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19.

Para o médico psiquiatra David Sender, CEO do Espaço Calmamente, o aumento do uso de antidepressivos representa uma tendência mundial das últimas décadas, acompanhando o número de pessoas com sintomas depressivos e ansiosos, também em ascensão, configurando uma coerência entre a demanda e consumo de tratamentos.



“A história mostra que situações que exijam maior resiliência da população, impactam nessa tendência, como crises econômicas, assim como a própria pandemia de Covid-19”, diz. Com efeito, metade da população (50%) registrou sentimentos frequentes de ansiedade e nervosismo e, 40%, sentimentos frequentes de tristeza e de depressão durante a pandemia, segundo uma pesquisa da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) desenvolvida com universidades brasileiras.

Além disso, prossegue ele, o medo da morte, a perda de renda, de perspectiva e de emprego representam fatores que impactam a saúde mental.

De fato, mais da metade da população (53%) declarou ter experimentado uma piora na saúde mental no último ano, segundo estudo realizado pelo Instituto Ipsos a pedido do Fórum Econômico Mundial. “Por isso, cresceu a busca por antidepressivos e ansiolíticos, como clonazepam, alprazolam e diazepam, que têm potencial de dependência e maior risco de automedicação”, complementa.

O consumo de medicamentos por conta própria é uma realidade para 73% dos brasileiros, aponta estudo realizado em 2020 pela plataforma de saúde Consulta Remédios. Para 43% dos participantes, o procedimento é um hábito apesar de conhecer os perigos da prática.

Automedicação representa riscos para a vida

Sender explica que a prática de automedicação envolve uma série de perigos, motivo pelo qual o acompanhamento de profissionais como psiquiatras e psicólogos é fundamental para quaisquer tratamentos. 

“Toda orientação médica se pauta em longos anos de pesquisas envolvendo indicações e contraindicações, além de custos e benefícios de qualquer tratamento”, pontua. “Por isso, quando alguém se automedica, na prática, ela dispensa a necessidade dessas evidências, o que representa uma perigosa maneira de se ignorar a própria ciência”.

Entre os principais riscos, o CEO do Espaço Calmamente explica que medicar-se por conta própria pode levar à piora de doenças físicas, transtornos mentais e colaborar para a formação de outros problemas, estendendo o tempo, o sofrimento e a energia referentes a uma condição que já poderia estar sendo abordada de forma efetiva.

Prática medicamentosa exige cuidados

Segundo Sender, uma prescrição médica adequada envolve o julgamento do momento certo para se iniciar o uso de uma medicação. Um segundo período chamado de manutenção – em que a pessoa deve permanecer medicada, mesmo sem sintomas -, e outro para a suspensão. “Escolher um fármaco capaz de debelar alguns sintomas não é sinônimo de tratamento. A classe medicamentosa pode estar equivocada, a dose subestimada ou exagerada e o curso medicamentoso não respeitado”.

“Há uma diferença importante entre sintomas e transtornos mentais. O primeiro independe da intensidade, podem ocorrer em situações comuns e, caracteristicamente, não impactam em diferentes domínios da vida da pessoa. Nestes casos, não devem ser medicados, assim como também não perduram, há sempre um começo, meio e fim”, explica o profissional. “O segundo é necessariamente um diagnóstico médico, e envolve uma combinação específica de sintomas que, em conjunto, produzem considerável prejuízo e sofrimento em múltiplos âmbitos da vida. Na maior parte destes casos, a prescrição médica é indispensável”.

Contudo, para o médico psiquiatra, tratar medicamentosamente um sofrimento comum – não patológico – possui altos riscos a médio e longo prazo. No âmbito físico: há efeitos colaterais que, a depender do organismo, variam de leves a graves, podendo afetar diferentes sistemas como o digestivo, cardíaco, metabólico e sexual. Outro risco associado a algumas medicações é o desenvolvimento de  dependência.

“Diferente dos antidepressivos, os ansiolíticos – benzodiazepínicos, em sua maioria -, que possuem indicações muito específicas e pontuais, costumam apresentar respostas rápidas, dando a sensação ao paciente de um falso autocontrole. Com isso,  muitas pessoas abrem mão do tratamento adequado, para se manterem apenas com essa classe”, esclarece.

Automedicação é entrave para desenvolvimento pessoal

No âmbito mental, Sender destaca que o uso de psicotrópicos em situações não patológicas na forma de “meros analgésicos emocionais” pode dificultar que o paciente desenvolva recursos internos para lidar melhor com os estresses da vida, prejudicando sua evolução pessoal e, até mesmo, cognitiva.

“O estresse saudável, que nem sempre é ausente de sofrimento, nos impele a criar respostas, seja mudando nossa forma de pensar ou de se comportar frente a uma situação difícil. E o profissional mais adequado para direcionar esse desenvolvimento é o psicólogo”, diz. “Assim, a automedicação tem um potencial de impacto negativo não só sobre o transtorno mental, como no processo de aumento de resiliência, mudança de perspectiva e ressignificação da própria história. Em resumo, se automedicar pode representar um recurso externo para se resistir a uma mudança interna”.

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