por Fernando Obregon*
Nas últimas décadas, convertemos o mundo físico no reino digital da internet. Tudo se moveu para o online: entretenimento, compras, mídia e até a forma como trabalhamos. Hoje, estamos no ponto crítico de uma transição: a transformação digital do nosso mundo físico. E no centro dessa transformação está o fenômeno conhecido como Internet das Coisas (IoT, de Internet of Things).
Basicamente, a IoT é uma rede de objetos, produtos e serviços, ou seja “coisas”, aptos a se comunicar digitalmente. Carros, escovas de dentes, termostatos, lojas e pontos de ônibus: em breve, tudo estará conectado à internet. A consultoria de pesquisa Gartner estima que por volta de 2020 teremos 26 bilhões de produtos “inteligentes” e conectados em uso. Isso se traduz em uma média de 3,3 dispositivos por pessoa (excluindo os smartphones e tablets que todos nós já usamos).
Então, o que são as “coisas” e o que elas podem fazer? Há “coisas” que simplesmente transmitem dados pré-programados; há as que transmitem dados sobre o que elas são capazes para sensores; e as que podem responder a mudanças em seu ambiente de maneira autônoma. Esses níveis mais profundos de conectividade apresentam um novo alcance de pontos de contato do consumidor e oportunidades para personalização e compras híbridas no varejo.
Isso significa que lojas de varejo que permanecem off-line também estão migrando progressivamente para a nuvem, e indica que devem ser pensadas jornadas híbridas do consumidor, que funcionem simultaneamente off-line e on-line. O varejo está destinado a ser um dos setores que mais irão se beneficiar do crescimento da IoT, de acordo com pesquisa realizada pela consultoria PwC. Gostaríamos de descrever esse cenário de modo ainda mais ousado: a Internet das Coisas vai mudar radicalmente o varejo, e para sempre:
- Os objetos no mundo físico vão-se tornar programáveis e interativos progressivamente: qualquer coisa poderá funcionar como uma potencial interface para um serviço. Qualquer “coisa” será um canal de comunicação com os clientes!
- A IoT iguala novos fluxos de dados que, em combinação com análises em tempo real, têm o potencial para revolucionar as relações entre os varejistas e os consumidores.
- A habilidade para gerenciar dados eficientemente e de modo eficaz nunca foi tão importante para o sucesso.
Neste artigo, discutimos o que isso significa para os varejistas, usando exemplos que influenciam a tecnologia da IoT.
Estendendo as jornadas do consumidor
O varejo está cada vez menos relacionado a transações e cada vez mais focado na relação entre compradores e vendedores. A IoT enfatiza essa mudança, com foco na personalização. A soma de pontos de contato conectados e acesso em tempo real aos dados dos consumidores permite que os varejistas ofereçam promoções e experiências melhores e personalizadas aos consumidores.
Os beacons representam uma parte expressiva desse futuro próximo do varejo. Eles são pequenos objetos interativos que podem enviar mensagens personalizadas sempre que acionados – por um smartphone, por exemplo. Essa mensagem pode ser desde um cupom até uma mensagem de boas-vindas.
A Regent Street, em Londres, é atualmente o maior experimento de beacons no planeta, com cerca de 80 lojas utilizando esses objetos para se comunicar com os consumidores. Elas possuem beacons para informar aos compradores praticamente de tudo, de características dos produtos até campanhas e cupons. Até o momento, eles observaram uma taxa de cliques (CTR) de 6% na comunicação ativada pelos beacons.
Programas de lealdade baseados em gamification também se adequam bem ao uso dos beacons. Um consumidor que escaneia um beacon para obter mais informações sobre um produto poderia, por exemplo, ganhar certa quantidade de pontos, os quais podem ser eventualmente trocados na loja por um desconto em um determinado item.
A Shopkick, uma empresa de beacons, parceira de grandes cadeias varejistas, como Macy’s e Bloomingdale’s, anunciou recentemente que suas 7500 implantações de beacons em 300 lojas geraram cerca de 50 milhões de caminhadas dentro das lojas e aproximadamente 100 milhões de scans em produtos.
Os beacons também podem atuar como blocos de construção para novas experiências de compras. A loja francesa Klépierre desenvolveu um “corredor de inspiração”, que permite aos compradores receber vestuário recomendado usando um dispositivo Kinect, da Microsoft, para fazer scans corporais. Usando beacons, a cabine da loja “sabe” que roupas o consumidor está vestindo e pode dizer ao Kinect para mostrar opções similares em seu corpo, em tempo real. O Ebay, em colaboração com a designer Rebecca Minkhoff, criou uma loja com espelhos “mágicos”.
Os compradores dizem ao espelho digital que peças de roupa eles gostariam de experimentar, e recebem uma notificação no celular assim que o funcionário da loja tenha coletado todos os itens requisitados no tamanho certo. Utilizando tags RFID, o espelho reconhece o que o comprador está usando e sugere opções similares ou joias que combinem. Os compradores também podem pagar usando PayPal, e os produtos são entregues em casa, de modo fácil e conveniente.
Adicionar conectividade para ampliar as jornadas do consumidor para cada produto não digital ainda não é rentável hoje em dia. Os produtos do futuro, no entanto, irão funcionar como aplicativos, com atualizações over-the-air de funcionalidade e otimização. A Orbotix é um bom exemplo de como poderiam funcionar os dados adicionáveis em produtos conectados. A Orbotix monitora os dados de ativação de seus produtos. Essas informações são então transmitidas para o planejamento, e agem como um gatilho para aumentar ou diminuir a produção, com base em uma análise de dados de ativação e a quantidade atual de produtos em estoque.
As possibilidades da conectividade em escala fornecem suporte à inovação de modelos de negócios em outros setores também. O aumento de “quantified selfs”, gadgets “wearables” e carros conectados propicia às companhias de seguro novas maneiras de organizar suas ofertas. Se um monitor de saúde wearable mostra que um consumidor tem uma vida saudável e é, portanto, um cliente de menor risco, sua mensalidade poderia diminuir.
A seguradora holandesa Menzis já usa esse novo sistema. Modelos similares irão impactar o seguro de carros também. A seguradora de automóveis belga Axa trabalha em um aplicativo que pode usar o comportamento do motorista para no cálculo da mensalidade pelo serviço. Agora, é um aplicativo no seu celular, e em cerca de dois anos, será seu carro. Cerca de metade dos holandeses está interessada em trade-offs que incluem a troca de dados por descontos. Um modelo que centraliza dados de trading envolvendo insights de comportamento dos consumidores e o fornecimento de descontos é facilmente aplicável em outros setores também.
O futuro do varejo
A convergência dos mundos físico e digital é o futuro do varejo. Nele, os consumidores se importam apenas com a marca e sua experiência na interação com aquela marca. Para alinhar sua marca com a próxima geração de experiências de compras, tenha foco nas seguintes:
1. Pense em serviços, não em produtos
A IoT permite que haja um ecossistema ao redor de um produto. Pense, por exemplo, no termostato conectado Nest que usa todos os dados de dispositivos individuais para fazer uma sintonia fina de seus algoritmos de economia de energia. O Nest vende um produto e fornece o serviço de otimizar o modo com que ele funciona. O service thinking tem tanto a ver com produtos como com as experiências dos consumidores.
Pegue a Disney, por exemplo. Ela oferece a seus visitantes um dispositivo com tags RFID chamado The MagicBand (“A Pulseira Mágica”). Ele funciona como chave da porta de quarto de hotel, uma autenticação para reservas para shows e restaurantes e como método de pagamento para todo o parque. Com essa pulseira, a Disney oferece ao consumidor o serviço de deixar suas coisas no hotel e aproveitar o parque descontraidamente.
Os consumidores não distinguem entre um produto e os serviços que o acompanham. Isso faz com que você pense sobre serviços que pode oferecer que realmente adicionam valor à experiência do consumidor. Esse modo de pensar é chamado de Service Design Thinking, uma abordagem que combina metodologias e ferramentas diferentes de várias disciplinas. Para se iniciar no Service Design Thinking, use esses cinco princípios:
- Centrado no usuário: os serviços devem ser experimentados por meio dos olhos dos consumidores.
- Co-criativo: todos os stakeholders devem ser incluídos no processo de service design.
- Sequenciamento: o serviço deve ser visualizado como uma sequência de ações inter-relacionadas
- Evidências: serviços intangíveis devem ser visualizados em termos de artefatos físicos.
- Holístico: deve ser considerado o ambiente total de um serviço.
Comece essas medidas organizando um workshop com todos os stakeholders, com o objetivo de criar ou melhorar serviços de suporte à experiência do consumidor. Use esse modelo de Service Design para se guiar com o processo.
2. Personalize: otimização e profiling com o uso de dados
A experiência do consumidor deve ter sempre o nível mais alto possível de personalização. Os novos fluxos de dados fornecem sustentação a essa meta ao adicionar novas camadas de informação. O conceito-chave aqui é o contexto.
Entender quando e como um consumidor está usando o seu produto, como um consumidor está circulando na loja, quando há maior probabilidade de que um consumidor seja receptivo ao ser interrompido e qual tipo de interrupção ele irá perceber como a mais valiosa naquele momento em particular.
Criar esses tipos de dados adicionáveis é vital para a criação de experiências melhores. Como já citado aqui, a habilidade de gerenciar dados eficientemente e de modo eficaz nunca foi tão crítica para o sucesso.
É crucial obter um entendimento do que o contexto significa para o seu negócio. A resposta é sempre encontrada na combinação entre fontes de dados já existentes e novas, disponibilizadas por meio de interações de mobiles, sensores e mídias sociais.
Quando pensamos sobre o contexto, podemos distinguir fatores humanos e ambientais. Os fatores humanos envolvem informações sobre o usuário (conhecimento de hábitos, estado emocional, dados sobre contatos e transações, padrões de comportamento, compartilhamento de localização e interações sociais).
Os do ambiente físico envolvem localização (posição atual, histórico de localização, localizações compartilhadas), infraestrutura (recursos disponíveis ao redor para computação, comunicação, performance de tarefa) e condições físicas como barulho e iluminação.
Comece analisando quais dados contextuais já está coletando, e veja se você pode combinar diferentes conjuntos de dados para obter novos insights. Também confira quais são os tipos de dados contextuais que você não está reunindo de modo nenhum, e priorize esses na sua estratégia de dados.
3.Design, experimentos e jornadas do consumidor não lineares
Os consumidores movimentam-se progressivamente de modo não linear entre experiências com mobiles, web e físicas, com um número crescente de dispositivos sempre conectados. Isso aponta a necessidade de manter os experimentos com pontos de contato já existentes e novos que se ajustem à jornada dos seus consumidores.
Procure o toque digital na experiência física. O que os beacons podem ensinar sobre a relação entre uma compra online e um walk-in em uma loja? Para se tornar criativo, pesquise cases e informação. Dê uma olhada nessa pesquisa sobre marketing in-stores com microlocalizações (https://www.marketingfacts.nl/research/detail/in-store-marketing-via-micro-location?utm_source=twitter.com&utm_medium=tweetresearch), por exemplo, para aprender sobre os diferentes tipos de beacons e como eles irão fornecer apoio a suas metas. Trabalhe rápido, repita ideias, crie protótipos de experiências e seja original com stakeholders relevantes.
A aceleração das inovações criadas pela tecnologia e sua crescente adoção pelos consumidores está-se tornando mais rápida. Se a sua atitude é simplesmente aguardar e observar, você está basicamente convidando alguém para lhe deixar irrelevante. As novas possibilidades tecnológicas apresentam um tipo de darwinismo digital: adapta-se ou morra!
*Fernando Obregon é diretor de Soluções para América Latina na Salesforce