Um mês após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entender que o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) possui natureza, em regra, taxativa, tribunais em todo Brasil têm mantido condenações às operadoras de saúde, enquadrando casos de consumidores dentro das exceções legais estabelecidas na decisão.
Isso porque o STJ estabeleceu que o rol de procedimentos da ANS poderá ser superado quando não existe “para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol” e quando tal tratamento tiver eficácia comprovada à luz da medicina baseada em evidências, o que traz requisitos que até então não eram exigidos nas decisões judiciais.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, em julgamentos recentes, manteve as decisões favoráveis aos consumidores. Em algumas delas, enquadrou os casos dentro das exceções estabelecidas, afirmando que os contratos devem preservar a vida e a saúde dos beneficiários. E, em outras, afirmou que a decisão do STJ não possui caráter vinculante, ou seja, não obriga que os demais juízes sigam tal orientação. Ademais, segundo o tribunal, em muitos dos casos levados à Justiça não existe tratamento similar que possa substituir aquele indicado pelo médico.
O advogado especialista em plano de saúde Elton Fernandes, professor da pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar da USP de Ribeirão Preto, afirma continuar acreditando que os tribunais seguirão concedendo decisões favoráveis aos consumidores. “Se houvesse no rol de procedimentos da ANS tratamento tão eficaz e seguro ao paciente quanto aquele recomendado pelo médico, os consumidores jamais ingressariam com ação judicial buscando outro tratamento. Fosse mesmo um rol taxativo, o tribunal não precisaria ter criado exceções e, na prática, significará dizer que a lista elaborada pela ANS deve ser entendida como a prioridade na cobertura”, destaca.
O Congresso mudou neste ano a forma de atualização do rol de procedimentos da ANS, exigindo que seja mais constantemente revisado. A mudança na legislação ocorreu após forte pressão social diante do veto pelo presidente da República quanto à lei que igualava o acesso a medicamentos para câncer usados de forma oral daqueles utilizados em ambiente hospitalar. Ante o risco de derrubada do veto, houve acordo a fim mantê-lo, mas com alterações na lei dos planos de saúde. A mudança na legislação exigindo maior constância na atualização na listagem da foi citada pelos ministros do STJ como ponto importante para que a Justiça revisse o posicionamento de que o rol de procedimentos da ANS era mera referência para cobertura mínima obrigatória pelas operadoras. Na prática, a ANS continua detendo a palavra final acerca da incorporação ou não de um tratamento ou medicamento, o que preocupa consumidores.
Segundo profissionais da área, a mudança no entendimento traz algumas barreiras, mas não impede que um juiz determine tratamento fora do que a ANS prevê. “Não estando no rol de procedimentos da ANS, continua cabendo à Justiça analisar o caso. Ao juiz competirá sempre diferenciar o uso do abuso, o essencial do supérfluo, pois, na decisão do STJ, o objetivo foi apenas afastar da cobertura procedimentos sem base científica e tratamentos que possuam outro similar no rol com a mesma eficácia, mas, jamais, o consumidor poderá ficar simplesmente desassistido”, explica Elton Fernandes.
Nas redes sociais consumidores fizeram campanha contra o rol de procedimentos taxativo e, liderados pelo apresentador Marcos Mion, famosos divulgaram apoio à causa, sobretudo a crianças com autismo que poderiam ser impactadas em razão do entendimento. Sobre o tema, poucos dias depois, a ANS publicou que todos os métodos de tratamento cientificamente reconhecidos devem ser cobertos pelos planos de saúde aos pacientes diagnosticados com transtornos globais do desenvolvimento, o que inclui autismo.
Apesar de desde 1998 a lei estabelecer que todas as doenças possuem cobertura obrigatória, o rol de procedimentos da ANS deixou diversas enfermidades sem tratamento direto previsto na listagem pelos planos de saúde, o que faz com que consumidores questionem a atuação da agência reguladora. “Ao selecionar as doenças que o plano de saúde tratará, a agência contraria a lei e a conduta da operadora pode ser revista pela Justiça”, ressalta Fernandes.
Na última semana, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, abriu uma consulta pública para tratar acerca da decisão sobre o rol de procedimentos da ANS, o que poderá reacender o debate sobre o caso. Há a expectativa de que o tema possa ser reanalisado pela Justiça. Mas, até tal decisão, consumidores continuam podendo buscar a Justiça para questionar seu direito. E, havendo urgência, o consumidor poderá pleitear decisão provisória a fim de pleitear que a Justiça conceda o direito.