Quando as corporações pensam em cloud computing, a pergunta mais comum já não é se devem ou não migrar, mas sim como e o quê. Embora algumas companhias ainda devam entender melhor os seus ativos de TI e o que pode ou não evoluir para a nuvem. O importante é saber que não existe uma receita de bolo para os processos de migração para a nuvem, mas há massa crítica suficiente no mercado que espelha um conjunto de melhores práticas.
A vantagem é que, dessa forma, é possível minimizar obstáculos e problemas que possam aparecer no decorrer da mudança de plataforma, e isso independe do tamanho ou da área de atuação da empresa, embora o perfil das companhias traga diferentes enfrentamentos ou facilidades. Tanto é verdade que até mesmo empresas globais como a ThyssenKrupp AG, presente em 34 países (Brasil incluso), estão contratando a nuvem como solução.
No total, serão 80 mil computadores e 10 mil servidores alocados na T-Systems em um contrato que chega aos sete anos de contrato e aos três dígitos de milhões de euros. “Quanto mais complexa a TI de uma empresa global, mais se faz necessária a migração para a nuvem. Apenas ela reduz custos e aumenta a eficiência e a flexibilidade da TI”, afirma Reinhard Clemens, CEO da T-Systems e membro do Conselho Administrativo da Deutsche Telekom.
Pelo acordo, nos primeiros meses de 2015, a T-Systems iniciará a migração de processos e serviços de TI dos atuais 700 data rooms e 11 centros de computação da ThyssenKrupp para seus cinco data centers globais. Com isso, os funcionários do grupo poderão facilmente usar seus dispositivos e estações de trabalho para trocar informações e dados em todo o mundo, de forma segura, flexível e móvel.
Enquanto isso, no Brasil
Mas a nuvem não “captura” apenas grandes corporações, ao contrário. “Startups e pequenas empresas já nascem na nuvem, estimulados principalmente pela questão do menor custo envolvido e facilidade de implementação. A flexibilidade e a rapidez na contratação são outros grandes apelos da plataforma”, avalia Claudio Soutto (foto), sócio da área de Consultoria e especialista em TI da Deloitte.
Porém, o executivo faz uma ressalva importante, a escolha do provedor é primordial, ainda mais no mercado brasileiro, no qual uma gama sem fim de empresas fala que oferece serviços de cloud, mas outra parte não possui experiência ou melhores práticas comprovadas. E, pior ainda, coloca em um mesmo “balde” um montante de ofertas que não podem ser qualificadas com essa nomenclatura. “Muita gente se aproveita da onda”, critica.
Feita a observação, tanto Soutto quanto Pietro Delai, gerente de Pesquisa e Consultoria Enterprise da IDC Brasil, apontam que os processos de migração para a nuvem no Brasil atingiram um bom nível de maturidade. Especialmente em projetos na modalidade Software como serviço (SaaS). “Já existem melhores práticas com modelos bem definidos e parametrizados, e mesmo serviços empacotados, que oferecem grande redução de custos e migração rápida e dinâmica”, admite Delai.
Aqui é diferente
No entanto, algumas das melhores práticas globais perdem parte do seu efeito por aqui. “Temos questões locais, como a oferta ruim de serviços de telecom, que inibe ou dificulta projetos na nuvem. Em determinados locais, nem mesmo existe uma conexão confiável e veloz”, explica Soutto.
Mesmo que a indústria possa negar, ainda estamos em processo de construção da infraestrutura de telecom no Brasil. “É algo ainda inerente aos países ou mercados emergentes. O setor de telco é o dobro do de TI no Brasil, e nos países mais avançados o normal é o contrário. E isso também afeta os custos de links confiáveis, bem como o prazo de disponibilidade”, alerta o especialista da IDC.
Setorialmente, também existem obstáculos bem específicos. A indústria, por exemplo, tem problemas para migrar para a nuvem, especialmente por ser dependente de sistemas de chão de fábrica, que precisam de um tempo de resposta predeterminado. Ou mesmo setores e empresas que já eram resistentes ao outsourcing tradicional e seguem com o mesmo discurso sobre cloud.
Mas o setor financeiro lidera a lista dos que resistem bravamente à modalidade. E embora seja tradicionalmente reconhecido como inovador em TI, não arreda pé facilmente do ceticismo em relação a deixar dados valiosos em um lugar sem “endereço físico, CPF do responsável etc” – já confidenciou um CIO de um grande banco no Brasil.
Por esse motivo, grande parte dos sistemas é desenvolvida dentro de casa, sem contar com a alta parcela de processamento em mainframes, inibindo projetos de cloud.
Outro nicho de empresas resistentes à ideia de migração está naquelas que utilizam aplicações específicas. Se uma indústria de autopeças, por exemplo, é usuária de um ERP de mercado, ela é altamente “qualificada” para a mudança de plataforma sem maiores traumas. Ao contrário de um frigorífico, que tem entre os seus processos a “desmontagem” de um boi, pois necessitará de um sistema altamente especializado e alinhado ao seu negócio. Essa pode ser uma barreira para a migração, pois o software não foi pensado ou preparado para a nuvem.
Por outro lado, o comércio eletrônico, ou mesmo os varejistas presentes na web, está cada vez mais se rendendo à nuvem. “A área de comércio é muito impactada pelos períodos de pico, com grande afluência de clientes, e o benefício da elasticidade da plataforma de cloud surge como uma solução. O mesmo acontece com companhias aéreas ou quem têm estruturas massivas de call center”, garante Delai.
Lopes Imobiliária
“O alinhamento dos aplicativos é primordial. E se o negócio da empresa está satisfeito e plenamente atendido, não existe uma premissa para mudar. É preciso ter uma motivação para mudanças, independentemente do tamanho ou setor da corporação”, assegura o executivo da IDC. Outras empresas, no entanto, não podem esperar.
A Lopes Imobiliária, por exemplo, não possuía aplicativos preparados, mas tinha uma grande necessidade de migrar para cloud. “Evoluímos para a nuvem, visando um conjunto de fatores. Um menor custo operacional, a possibilidade de atualizar nosso parque de TI que estava defasado, com garantias dos sistemas expiradas, e também como forma de lidar com os momentos de pico, quando são realizadas campanhas de lançamentos imobiliários”, revela Luiz Moraes, diretor de TI da empresa.
A opção da Lopes por uma nuvem privada, com a hospedagem nos data centers da Alog dos novos equipamentos Dell, deve-se à visão da companhia de que os valores dos serviços tradicionais da nuvem ainda estão caros no mercado. “Mesmo assim, o nosso retorno do investimento (de R$ 3,5 milhões) está programado para 12 ou 13 meses, o que é ótimo. Sem contar com os ganhos operacionais, como uma melhor disponibilidade”, admite Moraes.
Os parceiros de longa data da Lopes entraram com participação bem definida: a Dell forneceu os equipamentos – os servidores PowerEdge 12G e o Storage Dell Compellent SC8000 – que ajudam a empresa também a consolidar a sua operação. Já a Alog cuida do operacional e do suporte das máquinas, com a equipe de TI da Lopes no gerenciamento.
O planejamento, iniciado em julho de 2013, definiu que a migração dos aplicativos de negócios aconteceria entre agosto e outubro de 2014, porém o término da parte mais nevrálgica da operação alongou-se até novembro último.
Moraes admite que os aplicativos não estavam preparados para a nuvem, e precisaram passar por adaptações e homologações ou mesmo atualizações. “A plataforma adotada garante o nosso crescimento dos próximos 5 anos, depois disso devemos migrar totalmente para a estrutura do parceiro, que acreditamos terá uma oferta ainda mais robusta e menos dispendiosa”, projeta.
Grupo Tiradentes
O Grupo Tiradentes, que reúne a Universidade Tiradentes (Unit), Faculdade Integrada Tiradentes (Fits), em Sergipe, e Faculdade Integrada de Pernambuco (Facipe), é uma instituição com 50 anos de história no Nordeste. E, recentemente, identificou a necessidade de tornar mais seguros e disponíveis os dados dos mais de 40 mil alunos com a plataforma da nuvem.
Mesmo com esse traço de tradição – que em alguns casos gera posições conservadoras –, a premissa da oferta de maior segurança foi apenas um primeiro passo para a adoção da moderna plataforma. “O que os acionistas antes consideravam crítico já levamos para a cloud. Agora, estamos caminhando para contar com outros serviços”, destaca Jones Emerson, diretor de TI da Unit.
O crescimento dos negócios e do setor de educação privada no País, que deverá registrar 12 milhões de novas matrículas até 2020, de acordo com dados do governo, é considerado um fator primordial para o investimento. “Nosso crescimento é iminente. E o desafio era contar com um único ponto – seu data center em Aracajú (SE) – para armazenar todo o processamento dos dados da instituição. Precisávamos de um site de contingência para fortalecer a segurança”, lembra Emerson.
Tendo como provedora a Amazon Web Services (AWS), agora a universidade tem na nuvem os sistemas acadêmicos e de administração, como contas a pagar e a receber, folha, controle orçamentário, lançamento de faltas, notas etc.
Depois da migração, a Unit passou por uma prova de fogo e pôde ver, na prática, o funcionamento do backup na nuvem. “Usamos por dois dias nossos sistemas na nuvem, e de forma transparente para os usuários”, conta.
O executivo diz que a operação foi realizada durante o período de matrículas, momento crítico para a universidade. “Realizamos entre 8 mil e 10 mil matrículas por dia no início do ano. O aluno não vem ao campus para esse procedimento, ele faz tudo pela internet. Imagina se tivéssemos ficado sem sistema nesses dias”, questiona.
Outra vantagem ressaltada pela Unit são as possibilidades futuras que a nuvem permite. “O modelo está em linha com nossa estratégia e expectativas. Por isso, estudamos contar com o data center totalmente em cloud”, afirma Emerson.
Maior barreira, a interna
O Grupo Tiradentes quebrou resistências iniciais e a Lopes recebeu de braços abertos a nova plataforma. Mas nem sempre é assim. A cultura interna e as pessoas (de TI ou não) são a grande barreira a ser vencida em processos de migração para a nuvem.
“Não tivemos resistência alguma, conseguimos comunicar e fazer com que as pessoas entendessem a necessidade do projeto, porém sabemos que esse é um fator complicador”, compara Moraes, diretor de TI da Lopes. Afinal, toda mudança que envolve alterações no dia a dia das pessoas precisa ser bem estudada, comunicada e avaliada em seu impacto.
Planejamento é tudo nesse sentido. “Mudar para a nuvem não é como levar um móvel para uma nova casa, e quando falamos em mudar pensamos em melhorar. O Brasil corporativo é conservador em adoção tecnológica, adotamos quando tem um nível de maturidade no exterior. Sofremos um pouco menos porque trabalhamos em uma experiência já criada, porém existe o temor nas pessoas com o novo ambiente, de alterar o que elas sabem ou fazem”, explica Delai, da IDC.
Outro temor associado às pessoas, e que surge tanto antes quanto durante a migração, é o da segurança. “Ainda observamos executivos com essa impressão de que a segurança na nuvem trará problemas, o que não é verdade. Bons contratos, SLAs bem definidos e um projeto gerenciado conduzem a nuvem para oferecer até mais segurança do que o data center tradicional”, compara Soutto, da Deloitte.
Boa parte desses medos é decorrente do desconhecimento da plataforma e de suas possibilidades pelos usuários em geral. “As pessoas ainda não têm consciência do que exatamente é cloud, porém sabem que a empresa precisava modernizar sua plataforma”, comenta Moraes.
O executivo da Lopes pretende fazer um novo comunicado aos usuários para alinhar ainda mais a cultura da empresa em relação à nuvem. No entanto, muitas vezes, o que importa é se os serviços seguem funcionando e, de preferência, melhoraram sua performance e disponibilidade, mais até do que a plataforma simplesmente. “Na migração do nosso CRM, que funciona 24 x 7, ele não saiu do ar em nenhum momento, isso foi uma grande vitória”, relembra.
Gerência da (in)satisfação
Entretanto, a euforia, ou a busca por uma solução, que pode gerar mudanças aceleradas, também traz seus efeitos colaterais. Uma pesquisa da CompTIA com 800 executivos dos Estados Unidos – entre executivos de TI e de negócios – aponta que mesmo após vencerem as barreiras iniciais da computação em nuvem, 24% das empresas voltaram para sistema local.
O principal problema, apontam os especialistas, é a quebra de expectativas. Sejam elas quanto ao serviço oferecido, os custos envolvidos – principalmente os ocultos ou não mencionados nos contratos – ou mesmo o tempo decorrido do início da mudança ou gasto no processo.
“Isto pode vir como uma surpresa para algumas empresas que tinham a expectativa de que a migração inicial e a integração representavam os maiores obstáculos para as operações de nuvem”, afirma Marco Carvalho, agente da CompTIA Brasil. Na verdade, as companhias que passam pelos primeiros vários estágios da adoção vivenciam suas transições em diferentes estágios ou expectativas.
Para driblar essa questão, Claudio Soutto, sócio da área de consultoria e especialista em TI da Deloitte, alerta que antes de iniciar qualquer processo é preciso fazer um bom inventário dos ativos e recursos, incluindo sistemas, infraestrutura e telecom. “Isso permite a montagem e a revisão de contratos e a renegociação ou seleção estruturada junto ao provedor, o que pode render condições de conseguir mais por menos de forma mais inteligente e sem criar perspectivas falsas”, alerta.
É claro que se os serviços contratados ou mesmo a questão do tempo de migração variam muito de empresa para empresa ou mesmo de acordo com o provedor, as corporações podem e devem ter um melhor controle da situação. “Depende muito da complexidade do projeto, quanto maior o número de interfaces, mais complexo e mais tempo ele vai durar. E ter um parceiro para ajudar no processo, uma empresa que pode ser o provedor ou uma consultoria, alguém com experiência, é essencial para conhecer e mitigar os riscos”, explica Delai, da IDC.
É bom saber que a maior parte do custo e do esforço para qualquer projeto de TI normalmente é consumida pela integração, e isso não é diferente na computação em nuvem. “A integração na nuvem pode ser ainda mais desafiadora, pois requer web APIs, muitas vezes desconhecidas pela equipe técnica. Sem contar que que ela também acontece por linhas de negócios, que utilizam aplicativos próprios, e eles podem não se adequar ao sistema como um todo”, assegura Carvalho.
Outra saída para minimizar riscos e frustrações ou mesmo conseguir uma mudança mais efetiva e eficiente é a informação. Ter contato com casos de sucesso, de preferência com isenção, apontados por entidades independentes ou se comunicar com a própria empresa que vivenciou a migração é algo recomendado. E dê preferência a histórias que sejam do seu segmento ou têm alguma similaridade com o negócio da sua empresa. Seguindo sugestões de especialistas e de usuários bem-sucedidos, a migração para cloud pode ser uma tarefa mais tranquila do que se imagina.