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Cyberstalking – da curiosidade ao crime



por Gustavo Alves Parente Barbosa*

Cyberstalking - da curiosidade ao crime
Foto: Divulgação

No último dia 4 de setembro, foi divulgada a notícia de que a atriz Thaís Melchior desativou seus perfis nas redes sociais após receber ameaças e xingamentos de fãs da novela que participará. Thaís não foi a primeira celebridade a se assustar com o assédio vindo da internet. Em caso muito mais emblemático, um fã da apresentadora Ana Hickmann, não satisfeito em monitorar e perseguir sua vida nas redes sociais, invadiu seu quarto de hotel e atirou contra ela, acertando sua assessora. O desfecho da tragédia se deu com a morte do fã obsessivo pelo cunhado da apresentadora.

Embora pessoas públicas sejam alvos mais frequentes de mensagens de ódio e assédios pela internet, podendo chegar a situações extremas como a de Ana, infelizmente, casos como esses não são exclusividade dos famosos.



A evolução da tecnologia e o acesso à internet disseminado e na palma de nossas mãos são fatores preponderantes para o crescimento exponencial do número de usuários das redes sociais. Embora elas tenham surgido, com representatividade global, no início dos anos 2000 com o Orkut, Myspace e Fotolog, seu alcance ainda era incipiente.

O Orkut, por exemplo, chegou a ter “apenas” 66 milhões de usuários, nada comparado à rede social de Mark Zuckenberg. De acordo com o site statista.com, o Facebook supera tranquilamente a casa dos dois bilhões de membros, enquanto que o Whatsapp e o Instagram já bateram a marca de um bilhão.

Mas junto com a popularidade das redes vieram também alguns problemas. É crescente, por exemplo, a prática de ilícitos de diversas naturezas cometidos por meio delas e dos aplicativos digitais. É, também, cada vez maior o número de pessoas que sofrem com o chamado cyberstalking, termo em inglês utilizado para descrever conduta de quem ilegalmente persegue ou assedia virtualmente alguém.

O comportamento perseguidor, de acordo com o Centro Nacional de Vítimas de Crime dos Estados Unidos, é caracterizado por “uma linha de conduta dirigida a alguém específico que leva pessoas razoáveis a sentir medo”. Os números dessa prática, seja virtual ou real, chamam a atenção: são 7.5 milhões de pessoas que sofrem algum tipo de perseguição persistente nos Estados Unidos; 11% são perseguidas por 5 anos ou mais; e 1 em cada 5 vítimas são perseguidas por um estranho.

Esses dados, aliados ao aumento de usuários de redes sociais, só tendem a crescer. Cada vez mais a população mundial expõe suas vidas na internet, permitindo que algumas pessoas se sintam “parte dela” e obtenham informações de diversas naturezas, tais como os locais que frequenta, com quem se relaciona, seus hábitos etc.

Essas informações são importantes para nutrir o assédio persistente do stalker, que pode ocorrer com o envio constante de mensagens, especialmente de ódio, por monitoramento incessante das redes sociais, propagação de notícias difamatórias, tentativa de contato com parentes, amigos ou pessoas do convívio do perseguido, podendo, inclusive, extrapolar o ambiente virtual, se desenvolvendo para perseguições nos locais em que sabidamente a vítima frequenta.

O cyberstalking é definido como crime pelo ordenamento jurídico de diversos países. Na Alemanha, país referência em matéria penal, comete o delito quem “perseguir ilegalmente uma pessoa buscando sua proximidade” ou “tentando estabelecer contato” “por meio de telecomunicação ou outros meios de comunicação ou através de terceiros” (seção 238 do código penal alemão).

No Brasil, porém, ainda não há a figura deste crime específico. Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 236/2012 para reforma do Código Penal, em que a “perseguição obsessiva ou insidiosa”, realizada por quem, “de forma reiterada ou continuada, ameaça à integridade física ou psicológica” da vítima, “restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer outra forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”, é punida com prisão de dois a seis anos. No entanto, o projeto em questão ainda se encontra em fase de discussão.

A atual ausência de tipificação da perseguição virtual e do assédio persistente não significa, contudo, que tais condutas possam ficar impunes. Nos casos menos graves, por exemplo, elas podem ser caracterizadas como perturbação à tranquilidade, prevista no art. 65 da lei de contravenções penais, cuja competência para julgamento é do Juizado Especial Criminal.

Já nos mais graves, em que constatada efetivamente uma ameaça “por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar” à vítima “mal injusto e grave”, o autor poderá responder ao delito previsto pelo artigo 147 do Código Penal.

Em situações ainda mais complexas, esse comportamento pode resultar na prática de lesão corporal, prevista no art. 129 do Código Penal, pois comete este delito não só aquele que atinge a vítima com um soco, por exemplo, mas também quem, de qualquer forma, atente contra a sua integridade física, aí incluída a saúde mental.

Por fim, a lei Maria da Penha (11.340/06) estabelece que a violência doméstica e familiar contra a mulher consiste em qualquer ação fundada no gênero que cause lesão psicológica. Como não há dúvidas de que o stalking pode ser uma forma de violência psíquica contra a mulher, ao agressor é também passível a aplicação das medidas protetivas de urgência previstas nessa lei.

Como se nota, o tema é bastante delicado, mas é importante que quem sofra uma situação de perseguição não permaneça em silêncio e busque informações sobre como evitar que a conduta de seu agressor se perpetue e quais os mecanismos legais para enfrentar o problema. Por outro lado, é preciso distinguir a perseguição obsessiva virtual do acompanhamento, ainda que contundente, nas redes sociais.

Vale lembrar que as mídias sociais possuem ferramentas para que o usuário limite a sua exposição, com avançadas definições de privacidade, o que pode evitar situações indesejadas e comportamentos obsessivos de potenciais cyberstalkers.

*Gustavo Alves Parente Barbosa é sócio do escritório Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado Advogados