
por João Vitor Rocha Mendes*
Em um mundo cada vez mais interconectado e digitalizado, o conceito de herança vai além dos bens tangíveis, como imóveis, veículos ou investimentos financeiros. A denominada herança digital tem adquirido relevância crescente, especialmente no contexto empresarial, onde o patrimônio digital de uma organização pode se revelar um de seus ativos mais valiosos. Este conceito abrange informações, dados, contas online, registros de domínios, redes sociais e até mesmo criptomoedas, todos com um valor significativo para os negócios, o que não pode ser deixado de lado.
A herança digital refere-se ao conjunto de ativos digitais pertencentes a uma pessoa ou a uma empresa, que devem ser transmitidos aos herdeiros ou sucessores em caso de falecimento ou incapacidade. No contexto empresarial, esses ativos digitais podem abranger: sites e domínios de internet; redes sociais e perfis corporativos; arquivos digitais e registros financeiros; criptomoedas e carteiras digitais; sistemas e bancos de dados da empresa; contas de e-mail corporativo.
Mas, esses ativos, muitas vezes, não são considerados no planejamento sucessório tradicional, o que pode gerar problemas caso não haja uma gestão adequada da herança digital.
Com o crescente avanço do comércio eletrônico, do marketing digital e das operações empresariais fundamentadas em tecnologia, a herança digital emergiu como um componente crucial do patrimônio de uma organização. A perda de controle sobre tais ativos pode acarretar consequências desastrosas para os negócios, comprometendo a continuidade das operações, a segurança das informações e, até mesmo, a reputação da empresa, tornando-se, então, de grande relevância para as corporações.
A ausência de um planejamento sucessório adequado para a herança digital pode acarretar uma série de riscos para a empresa, muitos dos quais têm o potencial de comprometer diretamente a continuidade das operações. Entre os principais riscos, destacam-se:
- Perda de acesso a ativos digitais cruciais
Na carência de um planejamento sucessório bem delineado, os herdeiros ou sucessores podem se deparar com dificuldades para acessar contas digitais essenciais ao funcionamento da empresa. Por exemplo, no caso de falecimento de um dos sócios, a carência de registros adequados contendo senhas e acessos para plataformas de pagamento ou sistemas de gestão de clientes pode resultar em interrupções nas operações da organização. - Conflitos familiares e societários
A omissão ao elaborar um plano claro de sucessão digital pode dar origem a disputas entre familiares ou sócios, especialmente no que diz respeito à divisão de ativos digitais de grande valor, como domínios de internet ou criptomoedas. Esses conflitos podem culminar em prolongadas batalhas legais, prejudicando a reputação da empresa e comprometendo a confiança de investidores e parceiros comerciais. - Exposição a riscos de segurança
A falta de controle sobre ativos digitais após o falecimento de um empresário pode gerar vulnerabilidades de segurança. Por exemplo, na ausência de uma transferência adequada de acessos a sistemas críticos, os dados podem ficar expostos a vazamentos ou ataques cibernéticos, comprometendo informações sensíveis e colocando em perigo a reputação da empresa. - Perda de valor econômico de ativos digitais
A falta de planejamento sucessório para ativos digitais pode também resultar na desvalorização desses bens. Sem uma transferência ordenada e legalmente reconhecida, uma empresa pode perder a oportunidade de explorar o valor econômico de seus ativos digitais, como a venda de um domínio altamente valorizado ou a utilização de dados valiosos de clientes.
E como planejar a herança digital empresarial? Bom, o primeiro passo no planejamento da herança digital é a criação de um inventário abrangente de todos os ativos digitais da empresa. Esse inventário deve incluir senhas e acessos a contas digitais (e-mail corporativo, redes sociais, contas bancárias online); registros de domínios de internet, sites e outras propriedades digitais; dados financeiros e registros de transações, especialmente se envolverem criptomoedas; softwares e propriedade intelectual digital desenvolvidos pela empresa. Além disso, o inventário deve ser constantemente atualizado e armazenado de forma segura, com acesso limitado a pessoas de confiança, garantindo que as informações permaneçam protegidas e valorizadas.
O próximo passo é definir um plano de sucessão digital bem estruturado, estabelecendo de forma clara quem assumirá o controle e a responsabilidade pelos ativos digitais da empresa, caso ocorra o falecimento ou a incapacidade de um sócio ou executivo. Este plano deve especificar, entre outros aspectos, quem terá acesso às contas e aos dados digitais; como os ativos digitais serão protegidos e transferidos; como o valor dos ativos digitais será avaliado e distribuído entre os herdeiros ou sucessores.
A contratação de advogados especializados em direito digital e planejamento sucessório também é imprescindível para garantir que a herança digital seja transmitida de acordo com a legislação aplicável. O profissional qualificado pode auxiliar na elaboração de um testamento digital, estabelecendo diretrizes claras sobre a gestão dos ativos digitais da empresa, além de fornecer a orientação necessária quanto aos procedimentos legais para a transferência desses bens aos sucessores. Tal abordagem assegura a proteção e administração adequada do patrimônio digital da empresa, mitigando riscos e prevenindo conflitos futuros.
A adoção de ferramentas de gestão de senhas e de armazenamento seguro de dados é uma recomendação valiosa para assegurar que informações confidenciais sejam devidamente protegidas e possam ser acessadas com facilidade pelos sucessores. Tais instrumentos garantem que o acesso a essas informações seja restrito unicamente às pessoas autorizadas, assegurando a máxima segurança.
A herança digital empresarial tornou-se uma questão imprescindível para as empresas contemporâneas, que cada vez mais dependem de ativos digitais em suas operações. Na ausência de um planejamento sucessório adequado, esses ativos podem ser perdidos ou mal administrados, gerando riscos jurídicos, financeiros e operacionais. Para proteger o patrimônio digital e assegurar a continuidade dos negócios, é fundamental elaborar um inventário digital detalhado, estabelecer um plano de sucessão claro e contar com o auxílio de profissionais especializados. Prepare já sua empresa para o futuro!
*João Vitor Rocha Mendes, advogado do Montalvão & Souza Lima Advocacia de Negócios