* Por Carlos Alberto Leitão
O movimento liderado por Martinho Lutero ao publicar suas 95 teses em 31 de outubro de 1517 na porta da Igreja do Castelo de Wittemberg, condenava a venda de indulgências e propunha a fundação do luteranismo (religião luterana). De acordo com Lutero, a salvação do homem ocorria pelos atos praticados em vida e pela fé. Embora tenha sido contrário ao comércio, teve grande apoio de reis e príncipes da época. Em suas teses, condenou o culto a imagens e revogou o celibato. Tudo isso serviu de base a transformações sociais fundamentais para os dias de hoje.
Em minha opinião, no entanto, a mais importante transformação sugerida pelo movimento, foi mostrar a equivocada crença de que a Igreja Católica era a única e necessária mediadora entre o cristão, enquanto indivíduo, e o Todo Poderoso. A quebra dessa “intermediação”, sugerida por Lutero, possibilitou ao fiel não apenas falar diretamente com Deus como descobrir formas próprias de comunicação entre o profano e o sagrado. Em resumo: a Reforma Protestante eliminou o intermediário – no caso, a Igreja Católica – para acesso ao Divino.
No caso da internet das coisas (IoT) podemos nos enganar e focar apenas na interconectividade, a habilidade de dispositivos ou grupos se conectarem com a pretensão de se chegar à “Cidade Inteligente”. Ora, o que está em jogo é muito mais do que isso. Assim como na Reforma de Lutero, um ponto central é a extinção dos intermediários, agentes sociais que historicamente dominam há séculos nossa sociedade.
Intermediação questionada
Analisemos dois exemplos: o Judiciário e o Sistema Financeiro. O que se avizinha não são apenas melhorias adicionais nas relações Cliente/Empresa ou Cidadão/Estado, mas a vontade cada vez maior dos cidadãos de utilizarem sistemas que operem por fora dos intermediários financeiros (Bancos, Cartões, Receita, etc.) e jurídicos (Tribunais, Cartórios, etc.). O consumidor não quer apenas um cartão de crédito ágil, seguro. Ele procura possuir algo que não seja rastreado pelo Banco Central e pela Receita.
Vejamos o que está acontecendo com o Bitcoin, uma criptomoeda e sistema de pagamento on-line baseado em protocolo de código aberto, independente de qualquer autoridade central. Um Bitcoin pode ser transferido por um computador ou smartphone sem recurso a uma instituição financeira e intermediária.
No caso do Judiciário, com o BigData, a sociedade pode ter um sistema que dispense intermediação dos Tribunais. A Inteligência Artificial poderá decidir, com mais competência e agilidade, questões jurídicas por fora dos ambientes legais constituídos.
A última consideração seria resgatar a necessidade do envolvimento das diversas áreas do conhecimento nessa discussão. A IoT não é assunto apenas para TI, a Cidade Inteligente será fruto dos desejos da sociedade. Vamos dar o valor exato ao chip, mas o ser humano ainda é mais importante… por enquanto.
* diretor de Relações Institucionais da Softex
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