Por Igor Zanetti *
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) deu um grande passo, em 2021, ao modificar o processo de submissão de procedimentos para o rol de cobertura dos planos de saúde. Antes, o processo tinha que respeitar uma janela de submissões que se abria a cada dois anos. Ou seja, um tratamento com potencial para mitigar sintomas ou até salvar vidas poderia ter que aguardar o período de dois anos para ser avaliado e incorporado na lista de coberturas obrigatórias. Agora, a submissão de uma tecnologia registrada na ANVISA pode ser feita a qualquer tempo e essa poderá ser imediatamente integrada à lista de cobertura dos planos de saúde, desde que atenda aos critérios técnico-econômicos de avaliação pela ANS.
Um dos efeitos claros da pandemia foi tornar mais evidentes as fraquezas no setor de saúde, não só em termos de investimento, mas de estrutura. Uma das consequências claras foi o atraso na realização de procedimentos eletivos, que foram adiados tanto por falta de capacidade dos hospitais, quanto por receio dos pacientes por conta da COVID-19. Alguns procedimentos, neste momento, já passaram da categoria de eletivos para emergenciais. Do lado dos pacientes, esses adiamentos poderão trazer complicações graves, e o impacto completo disso só deverá ser quantificado nos próximos anos. Já do lado do sistema de saúde como um todo, espera-se uma elevação de custos como consequência de complicações e agravamento de quadros, além de filas para realização de procedimentos.
Em meio à tempestade dos últimos dois anos, no entanto, alguns progressos puderam ser vistos e merecem ser elogiados, como o caso da ANVISA se desdobrando para avaliar a eficácia de vacinas e medicamentos para a COVID em tempos recordes, com a transparência e a seriedade que o trabalho de uma agência regulatória requer. Paralelo a isso, a CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) teve uma demanda alta e não prevista de avaliação de tecnologias e diretrizes para a COVID-19, como foram com os casos de uso do oxigênio, intubação e ventilação mecânica, tratamentos medicamentosos e vacinas, entre outros. Talvez por essa razão, a tão esperada trombectomia mecânica – uma das mais avançadas terapias para tratar pacientes vítimas de acidente vascular cerebral isquêmico – tenha tido sua incorporação no SUS atrasada em relação ao cronograma original da CONITEC, e ainda não esteja disponível aos pacientes. A trombectomia mecânica tem eficácia comprovada na redução de sequelas, e é a única modalidade não medicamentosa de tratamento disponível no Brasil. A previsão mais otimista é de que esteja disponível na rede pública neste semestre.
A pandemia também fez com que a saúde ganhasse espaço nos debates e nas agendas da sociedade como um todo. Nunca se falou tanto em medicina quanto atualmente, e isso é uma vitória para o setor. Mas além do cenário desafiador provocado pela COVID-19, que sacudiu o setor do dia para a noite, o mercado ainda teve que lidar com um planejamento anual incerto. Para aqueles que realizam transações a partir do estado de São Paulo, houve o forte impacto da retirada da isenção do ICMS no estado ao longo de 2021, ação que só foi revertida pelo governo paulista a partir de janeiro deste ano. E, mais recentemente, o setor foi surpreendido com a Portaria nº 3693 de 2021. A norma reviu a tabela SUS para alguns procedimentos cardiovasculares, que tiveram redução dos valores de reembolso para o setor público. A reflexão aqui não é criticar ou apoiar, mas ilustrar alguns dos entraves no longo período pandêmico que já perdura um pouco mais de dois anos.
Estou otimista, por outro lado, com o avanço das discussões e com a conscientização do mercado, que se mostra cada vez mais aberto à avaliação de medidas que contribuam para a sustentabilidade do setor. A pandemia antecipou e fomentou debates importantes nesse sentido. Embora seja triste saber que o avanço foi impulsionado por uma crise que deixou mais de 620 mil mortos no Brasil, não podemos deixar de olhar a metade cheia do copo. Talvez esse seja o caminho para uma saúde mais digna para a população nas próximas décadas, e de uma maior capacidade para lidar com cenários de crises.
* Igor Zanetti É diretor de Acesso e assuntos corporativos da Medtronic Brasil
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