De vez em quando é possível ouvir uma voz rouca no fundo do departamento de TI suspirar: “antigamente tudo era mais simples”. Essa nostalgia carregada de frustração tem motivos de sobra para ser exposta. Há 10 ou 20 anos era fácil vender um servidor e qualquer cliente se interessava por um ERP ou CRM. Eram produtos tangíveis, tinham até embalagens. Atualmente, as coisas mudaram muito, executivos e empresas quebram a cabeça para vender e comprar a tal da transformação digital.
O curioso é que todos querem a transformação digital, mas ninguém entende direito o que é isso.
Culpa da tecnologia que evoluiu e atingiu setores de forma tão espalhada que fica impossível definir o que é ou o que não é setor de tecnologia. O varejo é tecnologia, a saúde é tecnologia, a indústria automotiva é tecnologia. Até os táxis hoje em dia são empresas de tecnologia.
No meio desse sincretismo tecnológico e de negócios, surgiu o termo transformação digital. Ele foi o vencedor de uma luta que tentou erguer outros jargões e meio que englobou tudo que estava mudando empresas, consumidores, governos, política e sociedade em geral. Big data/analytics, cloud, mobilidade, redes sociais, internet das coisas, robotização, inteligência artificial e diversas outras tendências estão lá dentro. É algo tão abrangente que, por vezes, é mais fácil definir aquilo que não é transformação digital.
Um relatório da indiana Wipro, de BPO, mostra bem esse quadro de confusão. O estudo “A Crisis in Digital Transformation” aponta que metade dos executivos afirmam que suas empresas não conseguem realizar 50% do planejado da transformação digital. E o quadro pode ainda piorar com as mudanças colidindo com métricas de ROI de curto prazo, falta de talentos para contratação e lideranças viciadas em um mercado de TI tradicional.
O relatório mostra que 91% dos executivos consideram a empresa alinhada com a transformação digital, mas 25% apontam que há total falta de alinhamento sobre o significado do termo. Cerca de 35% dizem que essa falta de clareza é o principal obstáculo para se chegar a qualquer meta de mudança dos modelos atuais para um futuro digital.
Somente 10% dos executivos dizem que suas companhias estão conseguindo realizar dois terços ou mais do que foi planejado. Algo que ainda pode ser relativo ou exagerado. Muitas empresas conseguem gerenciar uma página no Facebook, colocam a TI em cloud ou instalam um chatbot e já se anunciam como transformadas. Erro gravíssimo. Se o termo é amplo, não há como considerar uma ou outra novidade instalada como uma transformação.
Resistência e confusão
Apesar de o termo ser considerado a nova terra prometida da tecnologia, 20% dos entrevistados admitiram que, secretamente, acham que a transformação digital é uma “perda de tempo”. Outros 39% dos altos executivos entrevistados disseram que enfrentam resistência a novas formas de trabalhar e se sentem sobrecarregados com a complexidade dos projetos de transformação digital.
Os próprios esforços para entrar na nova onda carecem de definição. Transformação digital não é um termo adotado por todos. Pelo contrário, ela aparece em apenas 6% dos entrevistados.
O mais usado é Estratégia Digital (58%). Em seguida surgem Digitalização (52%), Transformação de Negócios (37%), Disrupção Digital (34%) e Transformação Empresarial (30%). Outros 3% não adotam nenhum desses termos.
Os resultados mostram que o termo “transformação digital” passará por uma crise de identidade e até de metas. Contudo, há inegável consenso que o momento é de mudança e isso não envolve só tecnologia. É preciso agregar estratégia, liderança, cultura e talento. Tudo isso direcionado para novas oportunidades de negócio que, claramente, estão onde não estavam antes nem serão feitas nos mesmos modelos conhecidos.
Há muito o que fazer. E ficar discutindo se o termo correto é transformação digital ou pizza de calabresa, não levará ninguém a lugar algum.
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